domingo, 6 de fevereiro de 2011

O MÉDICO DA FAMÍLIA

Uma das pessoas mais duras, aparentemente insensíveis que eu conheci na vida foi meu avô Joel. De descendência portuguesa, começou como sapateiro, mas quando eu era criança ele já estava no Pronto Socorro Policial de Belo Horizonte. Tinha lá um cargo burocrático, mas também era perito em serrar crânios para ajudar nas autópsias.

Vovô Joel não tinha uma palavra meiga, tudo era chocantemente franco, com o palavreado mais ríspido possível.

__ Vovô, olha esta coceira aqui na minha mão.

__ Isso é qualquer coisa que não vale nada.

E virava as costas.

__ Vovô, eu tô muito gripado.

__ Vem cá, vou te dar uma injeção.

E a aplicação, fosse o líquido oleoso ou não, durava um segundo e meio. Uma espetada, uma injetada – bem com força!

__ Vovô, meu braço tá doendo muito.

__ Deixa de ser mole.

Um dia, aos nove anos de idade, depois de brincar pela rua durante umas férias inteiras, bebendo água da torneira de molhar plantas (imagine, água sem tratamento em Belo Horizonte na década de 50), cheguei em casa com tonteira e enjôo. O “médico” da família era o meu avô. Afinal, ele trabalhava no Pronto Socorro Policial, ou não?

__ Dá um cristel nesse menino que passa.

Para quem não é familiarizado com o nome, cristel é uma bola de borracha que se enche d’água. Tem um canozinho num dos lados para enfiar no ânus. Depois de uma borrifada intestino adentro você evacua até o cérebro. E aconteceu conforme o previsto. Eu fiquei mais fraco ainda e, quando mamãe achou que eu podia morrer, chamou um médico de verdade: hepatite. Noventa dias de cama.

Aprendi muita coisa com vovô Joel. A mais marcante dizia o seguinte:

__ "Seja homem!"

5 comentários:

  1. o correto do procedimento é clister.

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  2. Interessante observar como na geração do seu avô (e a do meu também) os homens deveriam ser assim, ríspidos, aparentemente insensíveis, sem rodeios, diretos. Meu pai sempre diz 'seu avô hoje é muito bonzinho, você precisava ver quando eu era criança...', insinuando que ele era bem mais duro.

    As coisas mudam, felizmente, hoje meu pai expressa carinho, me beija e me abraça, coisa que meu avô não sabe fazer com naturalidade. Além disso a relação entre pai e filho se tornou mais amiga, mais próxima, mais amiga, com mais diálogo e menos imposição.

    As coisas mudam, o tempo muda e as pessoas mudam com ele, hoje nós homens não nos tornamos menos homens porque temos sentimentos, porque somos compreenssiveis, porque expressamos o que sentimos. Que bom que as coisas mudam, eu nao saberia ser tao seco e direto como meu avô é.

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  3. parece que estao falando dos meus pais mas ainda sinto um pouco de dor com tudo isso estou aprendendo agora ....é muito bom ler esse blog!!!estou tornando minha vida !"normal" agora...etou aprendendo a reescrever.bjjjjjjj

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  4. Para escrever melhor, pense melhor. Para pensar melhor, gaste um pouco mais de tempo, tente se livrar um pouco desta nossa mente inquieta. E, se possível, escreva hoje, publique amanhã. O travesseiro é um ótimo conselheiro.

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