segunda-feira, 30 de agosto de 2010

MEU NAMORO DE VERDADE

Eu tinha 21 anos, um automóvel Fissore e uma pá de hormônios pra consumir. Vivia na farra, gastando todo o dinheiro que sobrava do salário. Morava com meus pais, então só tinha que guardar para a prestação do carro.

Imagine: eu chegava de uma noitada pela manhã quando ela passou indo pra missa. Saltei do carro mais que depressa. Precisava examinar o material.
__ Que gata!
Por ouvir falar, já sabia quem era. Só que ainda não tinha visto de perto. Ela era irmã de uma amiga da minha irmã. Mais tarde, aproveitei uma visita da "cunhada" e mandei o recado:
__ Sua irmã é maravilhosa, hein?!
O recado viajou com precisão. No dia seguinte, quando abri o portão da garagem para tirar o carro e ir para o trabalho, bem em frente à casa dela, a musa apareceu, abriu um sorriso lindo e ficou me esperando completar a operação. Saí dirigindo devagar, quase quebrei o pescoço, quase entrei com o carro no poste. Naquele tempo, para economizar, os mineiros fincavam os postes no meio da rua.

Daí, só faltava vencer a timidez. Flertar era uma coisa, conversar era outra. Todo atrapalhado, criei coragem pra pegar naquele troço meio estranho chamado telefone e consegui soltar um "você quer ir ao cinema amanhã?" Ela topou. Mas os pais mandaram o irmão junto. Por sorte, o cinema estava lotado e ele teve que sentar lá longe. Durante a sessão, segurei sua mão e beijei-lhe o rosto. Só isso. Mas valeu por tudo.

Depois eu conto mais. Só vou antecipar o seguinte: 3 anos depois, aos 24 anos, tive a primeira grande crise de depressão. Já estava casado. Se não fosse a companheira que eu ganhei, sei não...

domingo, 29 de agosto de 2010

MANIA 1

Eu tinha um amigo em Nova York que admirava muito. Owen Ryan era o nome dele. Inteligente, criativo, e não fazia por menos.
__ I'm a creative person, ele repetia sempre.
Sua agência de publicidade tinha como slogan "an imagination agency".
Nada mais apropriado para exercitar a minha própria imaginação. Diga-se de passagem, eu tinha registrado a marca do cometa Halley no Brasil e nos Estados Unidos, tinha sido uma grande sacada, mas o cometa veio fraquinho, fraquinho e eu fiquei numa frustração de dar dó. Ainda assim, eu também me considerava um gênio, só que não dizia pra todo mundo, como ele.

Mas buscava, obsessivamente, uma nova idéia que me desse a riqueza e a fama que o cometa me recusou.Num período de negligência ao lítio, a cabeça se agitou mais do que devia e eis que de repente, não mais que de repente, comecei a rabiscar uns esquemas que deveriam funcionar como propostas mais que vencedoras para campanhas políticas. Naquela altura, eu já estava elegendo o presidente dos Estados Unidos...

Eu rabiscava uma folha e mandava um fax pra ele. Rabiscava outra e passava outro fax. Faxes e mais faxes, brigando com a minha mulher a cada nova ligação.
__ Você não está entendendo! Isto aqui é único, é genial!
__ Mas o que significa isso? Não tem pé nem cabeça. Você não está bem, Marcelo!
__ Você é que não entende nada que eu faço. O Owen vai entender.
24 horas depois ele ligou lá pra casa, mas não para falar comigo. Chamou a minha mulher, que mal falava inglês. De alguma forma ela entendeu que ele também achou tudo aquilo uma loucura.

E coube a mim ter uma conversinha com o meu psiquiatra...

sábado, 28 de agosto de 2010

OS GAYS E EU

Este post é muito mais um pedido de perdão pelos meus preconceitos. Entretanto, há sempre uma ou mais razões para as nossas posturas. Neste caso, explicam, mas não justificam.

Em primeiro lugar, eu fui criado numa sociedade de machos, numa família de machos. Belo Horizonte, os primeiros 10 anos de 1948 a 58. Pai, avós, tios - todos machões. Aliás, nem era preciso insistir muito naquela macheza toda, pois a sociedade já era assim. Não me lembro de ter conhecido nenhum gay até fazer o ginásio - assim mesmo os poucos que existiam não se declaravam.

Mas acontecia uma coisa deplorável. Meu pai trabalhava na RKO Radio Films e, por isso, eu não pagava ingressos nos cinemas. Quase toda tarde eu ia ao cinema. Me lembro que a minha mesada se limitava ao preço das passagens de bonde para ir ao cinema. De vez em quando eu driblava o cobrador e sobrava pra pipoca. Mas isso é uma outra história. O que importa agora é contar que, no escuro do cinema, de vez em quando vinham uns caras de terno lançar a mão sobre a minha bargilha. Eu tinha horror daqueles caras, me levantava correndo pra sentar em outro lugar. E às vezes eles vinham atrás, eu tinha que correr de novo, pois não tinha coragem de fazer um escândalo.

Muitos anos mais tarde, fui trabalhar em agências de publicidade que empregavam vários gays. Eram caras notáveis, inteligentes, criativos e geralmente muito divertidos. Não posso dizer que perdi os preconceitos. Quando algum deles comete algum deslize, fico achando que são todos assim. Mas não são. E eu convivo, procuro ser simpático, mas ainda está faltando humanidade.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A CAPACIDADE E O MEDO

Era um belo domingo de sol, estávamos no saveiro "Maria Candelária", de propriedade da Souza Cruz, em festa de despedida de um de nossos colegas.

Assim que saímos da baía de Botafogo, no Rio de Janeiro, mareei. E segui enjoado até o ponto em que o Saveiro ancorou, próximo a uma ilhota, ali pelos lados de Itaipuaçu. Pensei comigo: eu nado até a ilha, quando voltar tô curado. Tbum!

A ilha só tinha uma entrada pela areia, o resto era pedra. Quando eu estava chegando, bateu medo de afogar, faltou fôlego, subi pela pedra mesmo, me lanhando todo naqueles mariscos. E fiquei feito um bobo, sentado na pedra, sem coragem de nadar para voltar, sem coragem de pedir ajuda. Quando, finalmente, venci parcialmente o medo, consegui raciocinar melhor e fui capaz de nadar até o barco sem mais problemas.

Estando lá, nosso diretor serviu feijoada com caipirinha. Eu não estava mais enjoado, me servi à vontade, mas nem vou falar no que aconteceu na volta, pois essa foi uma outra história. A história da imprevidência...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

É TUDO VERDADE

Antes de entrar no post de hoje, gostaria de responder a alguns leitores que me questionam: aqui ou no meu livro, todas as histórias que eu conto são verdadeiras. Posso trocar nomes ou lugares, mas as situações aconteceram de fato e vocês podem fazer seus comentários pensando nisso. Não são situações hipotéticas.

Hoje eu vou falar sobre um padre, durante uma cerimônia de casamento. Procurando argumentar sobre a busca da felicidade na vida em comum, ele afirmou: "ninguém nasce virtuoso, a virtude deve ser cultivada". Fiquei pensando nos meus netos. Um deles certo dia me saiu com a seguinte pérola:
__ Eu não gosto de jogar futebol porque eu não quero tomar a bola do meu amigo.
Por extensão, ele também não gostava de lutar judô, enfim, parecia que ele só queria fazer o bem. Mas na hora de brigar para tomar os brinquedos das mãos dos irmãos, ele não era tão bonzinho assim.

Na vida, alternamos condições emocionais muitas vezes opostas. Então, vale lembrar Pierre Lévy: a educação e a cultura nos tornam mais humanos. Penso que é isso mesmo. O aprimoramento vem de todas as formas de educação que pudermos ter, na escola ou na vida, e da nossa vontade de auto conhecimento e aprimoramento.

Estou muito longe de ser virtuoso, mas depois de 62 anos de vida, posso testemunhar que o desejo de me conhecer melhor ajudou muito para que aquelas pílulas de carbonato de lítio fizessem o efeito desejado.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A PRESSA

Uma das palavras que mais se ouve hoje em dia é estresse. E o estresse é crítico para nós, bipolares.

Administrar as pressões da vida é uma das formas de evitar o estresse e saber avaliar o sentido da urgência é fundamental. Afinal, quando o telefone toca, devo correr para atender, ou andar normalmente? Quando toca o celular, ou quando chega um e-mail, a resposta precisa ser agora ou posso deixar para depois? Até que ponto as urgências dos outros devem se transformar em urgências para mim? O simples fato de questionar já transforma muitas ansiedades em calmarias.

Vejamos um exemplo:
Estamos falando da filial Curitiba de uma empresa multinacional sediada no Rio de Janeiro. Naquele tempo não havia celular, nem fax, nem telex, nem computador, muito menos e-mail. Apesar de todas essas carências, os negócios funcionavam normalmente. Não eram tão competitivos como hoje mas, afinal, quem é que precisa de competição? Eu prefiro cooperação, e você? Bem, havia o telefone fixo, mas era caro. Então, a comunicação entre matriz e filial se fazia preferencialmente por malote. E quando chegava o malote na sexta feira, o gerente de Curitiba raciocinava: se não telefonaram, é porque não é urgente. Eu só vou abrir esse malote na segunda. Pode ser que venha alguma carta desagradável, não vou deixar esses caras estragarem o meu final de semana...

Você teria essa calma toda?

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O BIPOLAR QUE ABOLIU A ESCRAVIDÃO

Segundo o historiador Jan Jacobi, Abraham Lincoln foi o homem mais inexperiente da história eleito para um alto cargo. Chegou a ser chamado de gorila. Enfrentou uma longa e sangrenta guerra que ceifou mais de 600 mil vidas. Enfrentando sucessivos desastres militares até chegar à vitória, passava a maior parte da noite lendo livros sobre estratégia, até porque não conseguia dormir de jeito nenhum. Seu filho favorito morreu, em seguida sua mulher o abandonou. Lincoln sofria ataques de depressão desde muito jovem e ficava gripado metade do tempo. O historiador pergunta: sem Deepak Chopra ou Prozac para ajudá-lo, como Lincoln conseguiu ir em frente?

Em contraposição às suas depressões, ele ria. Ria muito. Dizia-se que tinha a barriga típica dos que ficam gargalhando. Em contraposição ao seu transtorno bipolar, ele teve a visão de uma América democrática, a energia para vencer seus opositores e a sabedoria dos líderes que sabem compreender o seu povo: "Ninguém consegue triunfar se a opinião pública está em seu desfavor. Com a opinião pública ao seu lado, ninguém será derrotado."

sábado, 14 de agosto de 2010

PREVIDÊNCIA SIM, MEDO NÃO

Certa vez fomos visitar minha irmã, que morava em Angra dos Reis. Os dias estavam lindos, exigindo um passeio de barco por aquele mar paradisíaco.
__ É muita gente, Bete, vê se não aluga um barco muito pequeno.
Foi o mesmo que não dizer nada. Chegamos ao ancoradouro para descobrir que nossas econômicas mulheres tinham alugado uma traineirinha.
__ Tá bom, então vamos.
O passeio ia até a ilha da Gibóia, com 4 adultos, mais a minha mãe, que já estava idosa, e 4 crianças. Contando com o barqueiro, 10 almas naquele barquinho de merda.

O mar por ali é razoavelmente abrigado, a ida foi ótima. Mas a volta... O barqueiro avisou.
__ Seu Marcelo, melhor a gente ir-se embora, que o tempo vai virar.
__ A gente está acabando de almoçar, logo logo vem a conta. Guenta a mão mais um pouquinho.

E ainda tínhamos que matar umas caipirinhas, certo?
Completamente errado. Quando finalmente embarcamos o sudoeste já estava nos nossos calcanhares. E a traineira fazendo o que podia, com o seu motorzinho a diesel: pô pô pô pô pô... Os vagalhões nos jogavam pra lá e pra cá, a água passava por cima das nossas cabeças. O barco era tão pequeno que eu firmava os pés numa lateral e as costas na outra para poder segurar uma criança de cada lado. Minha irmã fazia o mesmo, minha mãe se agarrava como podia, e o barqueiro tentava segurar o leme com cara de caganeira. Eu só pensava o seguinte:
__ Se virar, morremos todos.
E o meu cunhado, onde estava? Deitado de bruços no chão do barco. Anos mais tarde, coitado, se suicidou, não sei bem qual era o problema da cabeça dele.
Naquele dia, foi como diz o ditado:
"Entre mortos e feridos, salvaram-se todos." Mas a imprevidência poderia ter custado caro.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

INICIATIVA E AUTO CONFIANÇA

Pelo celular:
__ Pai, eles estão jogando pedras na gente. Tem um cara com um pedaço de ferro, já machucou o meu amigo.
__ O que foi, meu filho, o que está acontecendo, onde você está?
__ Numa festa, aqui perto do colégio, pai.
__ Sai daí correndo, pega um ônibus, um taxi, qualquer coisa.

Eram duas horas da madrugada, o garoto tinha ido a uma festa numa região razoavelmente perigosa do Rio de Janeiro, ele e os colegas não devem ter agradado os locais e deu no que deu. Por sorte só um deles sofreu um ferimento leve, conseguiram fugir.

E eu fico me questionando: com aquele telefonema, de um lugar não perfeitamente conhecido e distante, às duas horas da manhã, o que ele esperava que o pai fizesse?

Na minha juventude não havia celular nem orelhão. A gente saía à noite e, quando surgia uma briga, resolvia da melhor maneira nossos próprios problemas. Desenvolvíamos iniciativa, auto confiança e auto suficiência, algumas características que os bipolares costumam ter e que muitos outros também têm.

Será que os celulares estão reduzindo a nossa capacidade de fazer por nós mesmos?

terça-feira, 10 de agosto de 2010

QUEM SOMOS NÓS?

Vocês sabem que eu não sou médico. Sou apenas um bipolar (ou seria tripolar?) idoso. Pois bem, analisando o tráfego deste blog, verifiquei que os posts mais visitados são os que procuram explicar a bipolaridade em seus extremos. Em segundo lugar estão as histórias de um bipolar estável, pelo menos aparentemente.

Eu penso que os leitores também têm muitas histórias de vida, envolvendo os seus transtornos de humor, que podem ser contadas aqui. Então, convido para que escrevam mais. A gente pode comentar e comparar as situações de uns com os outros. A razão de tudo isso é que quanto mais a gente se conhece, melhor lidamos com os nossos problemas.

E quanto mais nos conhecem, menos preconceito têm.

Vocês topam? Aguardo contribuições.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O PERDÃO ALIVIA O CORAÇÃO

O último capítulo do meu livro é Jogo Roubado. Foi um baita cano que eu levei no Bingo Star, a primeira casa que foi inaugurada em Belo Horizonte quando foi aprovada a Lei Zico. Fui sócio desde o primeiro contato com os sócios, o bingo funcionava dentro da lei e rendia um bom dinheiro. Mas o profissional que deixei lá para cuidar dos meus interesses se juntou a um sócio desonesto e acabaram por me tomar o negócio.

Acumulei muito ódio nessa história, por muito tempo. E o depoimento que eu quero dar é o seguinte: o tempo passou e me ajudou a exercitar um "deixa pra lá". Do tal profissional, que era meu amigo, a quem eu admirava muito, só lembro dos tempos bons - ele era alegre, espirituoso, uma ótima companhia. Do tal sócio desonesto não tenho boas lembranças, em nenhum momento ele fez por merecer, mas deixa pra lá.

Meu coração está mais leve assim.

domingo, 8 de agosto de 2010

A BUROCRACIA ME IRRITA BASTANTE

Eu tenho horror a burocracia. Tenho mais horror ainda quando desconfiam da minha honestidade de propósitos e passam a me criar dificuldades. E sacaneio, literalmente, as informações desses formulários imbecis sempre que posso. Dois casos rápidos:

1. Eu tinha 16 anos de FGTS. Como nunca tinha sido demitido e não havia comprado casa própria, o fundo estava lá, intacto. Mas eu tinha aberto empresa para explorar o marketing do cometa Halley, o que me dava o direito de sacar o fundo de garantia para capitalizar o investimento. Depois de várias visitas à repartição, filas entediantes, exigências continuadas, documentos e formulários um atrás do outro, me apareceu um servidor para duvidar que a minha empresa existisse. O transtorno apareceu de imediato: aprontei uma gritaria dos diabos, dei soco em cima do balcão, abriu-se uma porta para desvendar o "chefe", continuei gritanto, resolvi o problema. Interessante: já li nas páginas amarelas de Veja que para conseguir a paz é preciso forçar a guerra.

2. Ainda não era tempo desses crachás eletrônicos de hoje em dia, fotografias e tudo mais. A gente ia visitar os escritórios da Supervia, no Rio de Janeiro, e encontrava uma pobre coitada na roleta de entrada de uma plataforma da antiga Central do Brasil com um formulário e uma prancheta na mão:
- seu nome / endereço / telefone / RG / CPF / nome da empresa / etc. / etc. - demorava uma eternidade preencher aquelas linhas todas. A mesma coisa que nos hotéis hoje em dia. O formulário é enorme mas, quando conferem, é só o RG. Estão interessados mesmo é no cartão de crédito. Então, eu brinco: de vez em quanto resolvo morar num lugar diferente, mudo de telefone, escrevo um número qualquer de CPF, só pra ver se alguém reclama. E na internet, já reparou? "O formulário não pode ser enviado. Favor preencher o campo x". Experimente colocar nonono no campo x. Se o sistema não estiver preparado para checar, passa. A julgar pelo tempo que eu faço isso, acho que os burocratas só querem mesmo encher o nosso saco.

Para mim, a moral dessas histórias é a seguinte:
a)- não deveriam pedir informações que não são relevantes;
b)- deveriam partir do princípio de que cidadãos são confiáveis, e não o contrário.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

RACIOCINO MELHOR COM UM CHOPP

Não esqueço de quando viajei com o meu amigo Edimarcos de Belo Horizonte até o Rio para passar uns feriados. Eu devia ter uns 19 anos, ele já tinha chegado aos 30, era advogado e tudo mais. Mas, apesar da diferença de idade, a gente se dava muito bem. Nós fomos num Fusca novinho em folha, que ele tinha levado para emplacar em Contagem, onde as taxas eram mais baratas. Só que o município estava com falta de placas e lhe deram uma licença de parabrisa. Demos carona para duas amigas, as irmãs Borges, e viajamos no maior contentamento.

Você pode imaginar quanto tempo durava uma viagem de Belo Horizonte ao Rio, na década de 60, de Fusca 1200? Saímos de manhã cedo, chegamos à noite. Primeira tarefa: levar as irmãs Borges a Jacarepaguá. Erra caminho daqui, erra dali, entregamos as moçoilas por volta da meia noite. Próxima etapa: chegar a Copacabana, onde deveríamos ficar hospedados. Erra daqui, erra dali, começamos tudo de novo, indo até a o centro para pegar o aterro do Flamengo. E, então, o inesperado aconteceu: uma viatura encarregada de furtos e roubos de veículos nos interceptou ali na altura da Cinelândia, não quis ouvir conversa e nos levou para uma delegacia caindo aos pedaços na velha Lapa. O Edimarcos sacou da carteira da OAB, o cidadão do outro lado, que nem delegado era, fez uma cara de desconfiança e a conversa parecia não ter fim. Meu amigo e advogado argumentou que a lei do trânsito era federal, não havia como o Rio recusar uma licença de parabrisa emitida em Minas. O cara começou a ficar embasbacado e, no frigir dos ovos, não sabia se prendia a gente e depois ia ter que pagar o nosso hotel, ou se soltava e o delegado lhe comia o traseiro no dia seguinte. No final, fez a gente assinar um papel que não valia absolutamente nada e nos liberou com carro e tudo.

Ufa! Chegamos a Copacabana. Supostamente, um confortável apartamento na Rua República do Peru nos esperava de camas abertas. Só que eram mais de 4 da madrugada e quedê o porteiro pra gente entrar? Não tinha porteiro, tudo trancado.
__ E agora, Edimarcos, o que vamos fazer?
__ Olha, Marcelo. Tem um boteco aberto ali na esquina. Eu raciocino bem melhor com um chopp.

Aprendi essa importante lição naquela viagem. Também raciocino muito melhor com um chopp. É uma pausa para o bem estar, né não? Na hora do almoço, então, ajuda a quebrar um pouco o estresse do dia, facilita a camaradagem com os colegas, ajuda até a encontrar a alegria.

Mas tem o seguinte: eu raciocino muito pior de 3 chopps para cima. Posso ficar nervoso, não dar mais razão a ninguém, uma danação.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A RATINHA NÃO É BIPOLAR

Eu já falei por aqui na Juju, minha filha mais velha, que é bipolar. Fala alto, é alegre, espirituosa, criativa (trabalha como graphic designer nos Estados Unidos), bastante inteligente. Por outro lado, não aceita regras rígidas, é contestadora, mandona - seu marido sofre um bocado! E, quando não fazia o tratamento certo, virava e mexia tinha uma depressão. Outras vezes se iludia com as próprias idéias, achando que ia ganhar o mundo... Tem 38 anos e ainda passa por esse perigo.

A Ratinha (Renatinha para os íntimos) nós adotamos quando criança. Fala alto, é alegre, espirituosa e bastante inteligente. Ainda não sei se é criativa como a irmã - já fez um curso de Chefe de Cozinha e agora estuda Nutrição. Também não aceita regras rígidas, é contestadora, mandona - seu namorado sofre um bocado! Tem dias em que acorda num mau humor dos diabos, mas não chega a ser depressão. E não se ilude com as próprias idéias, mas tem um sentimento de que o mundo já está ganho, talvez por ser muito jovem (21).

Uma é bipolar, a outra não. Mas como são parecidas!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O TRIPOLAR CAUSOU POLÊMICA

Uma leitora criticou meu livro, afirmando que as crônicas eram de um publicitário e não de um bipolar. Então, postei um esclarecimento, onde colocava a possibilidade de sermos tripolares, em linguagem leiga: deprimidos, eufóricos, estáveis.. Alguns seguidores se manifestaram e eu gostaria de oferecer mais algum material para a nossa reflexão.

Vamos começar por uma afirmação do psiquiatra Elcio Carvalho Junior: "a bipolaridade influencia a personalidade". Como eu procurei dizer antes, medicados ou não, o grupo dos bipolares pode apresentar características semelhantes. E elas se alteram quando sofremos transtornos de humor.

Vejamos o que diz o Dr. Diogo Lara, em "Temperamento forte e bipolaridade" (Ed. Saraiva):
quando estável, o bipolar pode ser criativo, original, ousado. Mas, se entrar em crise, pode quebrar regras desnecessariamente e passar a inconsequente. Sua grande energia, que é benéfica, pode entrar em descompasso, gerando isolamento, impaciência, até cargas explosivas. Sua sinceridade e autoconfiança podem caminhar para a arrogância, sua competitividade pode se tornar desleal. A liderança se transforma em autoritarismo, a busca de novidades e sensações pode levar ao abuso de drogas, a iniciativa vira impulsividade, e assim por diante.

Em suma, nenhum bipolar deixa de ser bipolar só porque tomou lítio pela manhã e à tarde. A personalidade, que é exclusiva de cada um de nós, se desenvolve devido a n fatores e é influenciada pela bipolaridade, mesmo quando estamos estáveis. O que muda nas crises é o estado de humor. E o que o meu livro procura mostrar é que um sujeito bipolar pode levar uma vida normal, agradável e divertida, e se aproveitar das suas características positivas para tentar o sucesso, não apenas material. Então, quando falo de mim, todas as crônicas são de uma personalidade influenciada pela bipolaridade, mesmo que eu não estivesse em transtorno.

A pergunta continua: fiz porque era bipolar, ou qualquer um faria? Acredito que qualquer um, bipolar ou não, tem potencial para fazer, mas no meu caso foram certas características bipolares que me levaram a fazer.

domingo, 1 de agosto de 2010

MINHA FILHA É BIPOLAR

A Juju é uma dessas filhas que a gente adora, mas tinha horas que dava vontade de esganar. Quando era pequena, falava alto, contestava tudo, brigava com as irmãs, um terror. Me lembro que um dia, caminhando com mamãe, ela passou dos limites da mal criação.
__ Não trata sua vó desse jeito!
Dei-lhe uma porrada de cima pra baixo, pegou no ombro e ela quase caiu num bueiro que estava com a tampa quebrada. Se existisse essa tal lei da palmada eu estaria no xilindró.

Na adolescência ela não queria estudar. Você sabe, bipolar não gosta de burocracia nem de sistemas rígidos. E ela não aceitava fazer o que não gostava. Acabou arranjando um namorado em Búzios, encheu o saco pra que ele fosse trabalhar nos Estados Unidos, depois encheu o meu pra arranjar o dinheiro pra ela ir também - isso foi há 21 anos atrás. A Ju tinha 17 (imagine a crise dentro de casa!), mas está lá até hoje casada com o mesmo namorado.

Até fazerem suas vidas, eles comeram o pão que o diabo amassou com o rabo, mas acho que o ponto de ruptura foi o terremoto de Los Angeles. Dois dias depois ela me ligou e ainda chorava aterrorizada. Nunca ouvi alguém chorar daquela maneira. Mudou-se para Phoenix e, pelo menos na minha lembrança, foi a partir daí que ela começou a reclamar de depressões. O pior é que não conseguia achar um médico que se envolvesse o necessário para lhe dar um tratamento adequado. Passavam uns remedinhos e a situação continuava. Foi preciso encontrar um psiquiatra indiano em Phoenix para ter um diagnóstico preciso: bipolar.

A Juju se trata regularmente e tem uma vida normal, é muito alegre e espirituosa, embora o temperamento continue forte - uma vantagem para quem quer vencer na vida. Ela é um dos meus grandes orgulhos, principalmente porque trabalha na mesma profissão que eu, criou a capa do meu livro, o design deste blog e está sempre pronta a se juntar com o pai num desses novos empreendimentos que a gente inventa...